Novembro é muito mais do que apenas mais um mês no calendário. Para milhões de homens no Brasil e no mundo, ele representa um chamado urgente à reflexão sobre a saúde masculina e, principalmente, sobre a prevenção de doenças que ainda cercam silêncios e tabus.
O Novembro Azul, campanha internacional de conscientização sobre o câncer de próstata, tornou-se um marco na luta contra uma doença que, apesar dos avanços médicos, continua sendo a principal causa de morte entre homens na urologia.
O movimento, que começou na Austrália em 2003 e rapidamente se espalhou pelo mundo, ganhou força no Brasil a partir de 2011.
Desde então, vem crescendo não apenas como uma campanha de prevenção, mas como uma verdadeira mobilização social que busca romper barreiras culturais e incentivar o autocuidado masculino.
A questão central permanece: por que os homens ainda resistem tanto à ideia de cuidar da própria saúde?
Cenário preocupante do câncer no Brasil
No Brasil, a situação é alarmante. Dados recentes mostram que o câncer de próstata é o tumor de maior incidência entre os homens, excluindo o câncer de pele não melanoma, com aproximadamente 72 mil novos casos estimados anualmente para o triênio 2023-2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). E
ssas estatísticas revelam uma realidade que não pode mais ser ignorada: trata-se de uma questão de saúde pública que exige atenção imediata.
A distribuição regional dessa doença também revela disparidades importantes. No Sudeste, a incidência chega a 77,89 casos por 100 mil habitantes, enquanto no Nordeste são 73,28 casos.
O Sul apresenta 57,23 casos, o Centro-Oeste 61,60 e o Norte, região com menor índice, registra 28,4 casos por 100 mil habitantes. Esses números evidenciam não apenas diferenças demográficas, mas também desigualdades no acesso à informação e aos serviços de saúde.
O urologista Eduardo Café, em entrevista recente à Rádio Metropole, fez um alerta contundente: “Homem não tem essa cultura de prevenção como a mulher.
Ele chega aos 40, não sente nada, vai aos 50 e nada. É uma doença que surge muito, um percentual vai ter uma doença mais grave, diagnosticada tardiamente e vai ter o câncer que tratou e voltou a ter um desfecho de morrer pelo câncer. Isso torna o câncer de próstata o que mais mata homens na urologia.”

Câncer de próstata, revolução no tratamento
Apesar dos desafios, há motivos para otimismo. A urologia brasileira tem vivenciado uma verdadeira revolução tecnológica nos últimos anos, trazendo novos horizontes para o diagnóstico e tratamento.
A cirurgia robótica, por exemplo, representa um dos maiores avanços da medicina moderna, oferecendo precisão cirúrgica sem precedentes e recuperação muito mais rápida para os pacientes.
O Dr. Rodrigo Braz, pioneiro em cirurgia robótica em Brasília, explica que a tecnologia trouxe mudanças significativas: “A robótica trouxe segurança e previsibilidade.
O paciente volta à rotina em menos tempo e com menos dor, o que transforma completamente a experiência do tratamento.” Segundo o especialista, os movimentos cirúrgicos mais precisos resultam em menor sangramento, recuperação rápida e melhora dos resultados funcionais, como continência urinária e função sexual.
Além disso, os métodos diagnósticos também evoluíram consideravelmente. Conforme meta-análise publicada em 2024 na revista European Urology Oncology, o exame de toque retal deixou de ser obrigatório em todos os casos.
Com exames laboratoriais mais sensíveis e de imagem avançada, tornou-se possível avaliar o risco com maior precisão, personalizando a abordagem para cada paciente.
Novos tratamentos de câncer

Uma notícia animadora vem da pesquisa científica internacional.
Estudo publicado recentemente no The New England Journal of Medicine e apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica revelou que uma nova combinação de medicamentos pode reduzir o risco de morte em mais de 40% para pacientes cujo câncer de próstata retorna após cirurgia ou radioterapia.
A combinação adiciona o medicamento enzalutamida à terapia hormonal tradicionalmente prescrita. O ensaio clínico incluiu mais de mil pacientes de 244 locais em 17 países, todos diagnosticados com o que é conhecido como câncer de próstata recorrente bioquimicamente de alto risco.
Após oito anos, o grupo que recebeu a combinação de terapia hormonal com enzalutamida apresentou redução de 40,3% no risco de morte quando comparado aos outros grupos.
Stephen Freedland, diretor do Centro de Pesquisa Integrada em Câncer e Estilo de Vida do Cedars-Sinai Cancer e co-investigador principal do estudo, classificou os resultados como “uma verdadeira mudança no jogo”, destacando que a terapia hormonal tradicional, oferecida há 30 anos, não havia melhorado a sobrevida até então.
SUS Supera Desafios e Amplia Acesso
Outro aspecto fundamental na luta contra o câncer é o acesso ao tratamento.
O Sistema Único de Saúde brasileiro demonstrou notável capacidade de recuperação após os impactos da pandemia de COVID-19. Dados do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica, analisados a partir do Sistema de Informações Hospitalares, revelam que em 2024 foram realizadas 37.917 cirurgias de próstata pelo SUS, superando em 30,3% o patamar observado em 2019, antes da pandemia.
A trajetória é impressionante: em 2020, o volume de cirurgias despencou 30,6% devido às restrições impostas pela crise sanitária.
A partir de 2021, iniciou-se uma recuperação consistente, com crescimento anual que resultou não apenas na recomposição da demanda reprimida, mas também em ganho de capacidade produtiva nos serviços públicos de urologia e oncologia cirúrgica.
A distribuição regional também apresentou mudanças significativas.
O Norte cresceu 75,5% no período, enquanto o Nordeste avançou 58,6%, demonstrando que os investimentos e reorganizações assistenciais do pós-pandemia chegaram com força às regiões historicamente menos concentradoras de alta complexidade. São Paulo lidera com 8.849 cirurgias em 2024, seguido por Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Além da próstata: outros desafios urológicos
Embora o câncer de próstata seja o mais prevalente, outras neoplasias urológicas também demandam atenção no contexto do Novembro Azul.
O câncer de pênis, por exemplo, representa 2% dos casos oncológicos masculinos no Brasil, mas tem impacto devastador. Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, mais de 6.400 homens tiveram o pênis amputado nos últimos dez anos devido a essa doença.
A enfermidade afeta principalmente homens com mais de 50 anos e tem maior prevalência nas regiões Norte e Nordeste.
Os principais fatores de risco incluem infecção pelo HPV, higiene íntima inadequada e ausência de circuncisão. Estudos científicos demonstram forte correlação entre a infecção pelo vírus HPV e o surgimento deste tipo de tumor, além de baixas condições socioeconômicas e educacionais.
Os sinais de alerta incluem feridas ou úlceras persistentes no pênis, tumorações na glande, secreção branca e aumento anormal do tecido.
A presença de gânglios inguinais ou nódulos na virilha pode indicar metástase. O diagnóstico precoce é fundamental: quando identificado em estágio inicial, o câncer de pênis apresenta alta taxa de cura, mas os dados mostram que mais da metade dos pacientes espera até um ano após o surgimento das primeiras lesões para buscar ajuda médica.
A vacina contra o HPV, disponível gratuitamente no SUS, representa uma importante ferramenta de prevenção.
Segundo o Ministério da Saúde, a imunização está disponível nas mais de 36 mil salas de vacinação em todo o país, inicialmente para meninas de 11 a 13 anos, mas com expansão progressiva para outros grupos etários.
Câncer Colorretal: a ameaça crescente entre jovens
Outro tipo de neoplasia que merece destaque no contexto da saúde masculina é o câncer de intestino, também conhecido como câncer colorretal.
Um dado recente tem chamado atenção da comunidade médica: a doença tem atingido cada vez mais pessoas com menos de 50 anos, faixa etária que antes era considerada de menor risco.
De acordo com a American Cancer Society, cerca de 13% dos novos casos ocorrem em jovens, e o número vem crescendo de forma preocupante.
Pesquisas apontam que o estilo de vida tem papel fundamental nesse crescimento. Entre os principais fatores de risco estão a obesidade, o consumo de álcool, dieta pobre e industrializada, sedentarismo, tabagismo e privação de sono.
O consumo elevado de alimentos ultraprocessados, carnes vermelhas e embutidos aumenta a inflamação e o risco de alterações intestinais.
A obesidade, principalmente entre adultos jovens de 20 a 30 anos, pode dobrar o risco de desenvolver câncer colorretal. As noites mal dormidas interferem no equilíbrio hormonal e no sistema imunológico, favorecendo desequilíbrios que podem contribuir para o surgimento da doença.
Os sintomas incluem sangue nas fezes, alteração do ritmo intestinal, desconforto abdominal frequente, fraqueza, anemia e perda de peso inexplicável.
A colonoscopia é o exame mais importante para identificar pólipos antes que se tornem malignos. No Brasil, recomenda-se o início do rastreamento aos 50 anos, embora alguns países já adotem a faixa dos 45 anos devido ao aumento dos casos em jovens.
Mudanças simples no cotidiano podem reduzir em até 30% o risco. Manter o peso sob controle, adotar uma alimentação equilibrada, praticar atividades físicas, evitar álcool e carnes processadas e não fumar são medidas fundamentais.
Detectado precocemente, o câncer colorretal tem altas taxas de cura, mas ainda figura entre as principais causas de morte no país.

Quebrando tabus contra o câncer
O preconceito ainda é um dos principais inimigos da prevenção. Muitos homens evitam o consultório por desinformação ou medo, mas o urologista deve ser visto como o clínico geral do homem, responsável por avaliar a saúde de forma integral, incluindo hormônios, circulação, função reprodutiva e sexual.
Médicos alertam para o uso indiscriminado de testosterona e suplementos hormonais, frequentemente adquiridos sem prescrição: “A automedicação pode comprometer a fertilidade e causar danos irreversíveis à espermatogênese como também a supressão da produção natural da testosterona. É essencial buscar orientação médica para qualquer tratamento hormonal.”
Mais do que um lembrete anual, o Novembro Azul é um convite à mudança de comportamento.
O cuidado com a saúde masculina deve ser constante. Quanto antes o homem adotar o hábito de se cuidar, maiores serão suas chances de viver com qualidade e longevidade.
A linha de cuidado não se resume apenas à cirurgia.
É fundamental garantir acesso oportuno ao diagnóstico, estadiamento adequado, discussão multidisciplinar envolvendo urologia, radioterapia, oncologia clínica, enfermagem, fisioterapia e psicologia, além de seguimento ambulatorial estruturado para monitorar recorrência, continência e função sexual.
Perspectivas futuras para o tratamento do câncer
As perspectivas para o tratamento são promissoras. A recente incorporação da cirurgia robótica pelo Ministério da Saúde no SUS representa um marco histórico.
Embora ainda em fase de implantação, com prazo regulatório de 180 dias após a publicação no Diário Oficial da União em outubro de 2025, a tecnologia tem potencial para transformar o padrão de cuidado cirúrgico no país.
A experiência internacional e da rede privada brasileira sugere que a expansão da robótica tende a redistribuir tempos de internação e perfis de alta, com impacto potencial na organização de centros cirúrgicos. A implantação ordenada, com concentração inicial em hospitais habilitados e protocolos claros de indicação, será decisiva para maximizar o benefício clínico e a eficiência do sistema.
Gustavo Guimarães vislumbra que “se 2020 foi o ano da interrupção forçada, 2022 a reabertura e 2024 a consolidação, 2025 em diante tende a ser o período em que a combinação entre escala, equidade e tecnologia definirá o padrão do cuidado cirúrgico do câncer de próstata no país.”
O Papel da Prevenção
A prevenção continua sendo a ferramenta mais poderosa contra o câncer. Homens a partir dos 50 anos, ou 45 anos com histórico familiar, devem realizar consultas regulares com urologista. Os exames incluem dosagem do PSA (antígeno prostático específico) e, quando necessário, avaliação clínica complementar.
O diagnóstico precoce pode significar a diferença entre um tratamento minimamente invasivo e procedimentos mais complexos. Quando detectado em fase inicial, as taxas de cura ultrapassam 90%. Por outro lado, o diagnóstico tardio reduz significativamente as chances de sucesso terapêutico e pode comprometer a qualidade de vida do paciente.
A conscientização vai além dos consultórios médicos. Campanhas educativas, palestras em empresas, distribuição de material informativo e mobilização nas redes sociais são ferramentas importantes para disseminar conhecimento e combater o estigma que ainda cerca a saúde masculina.
Novembro azul e seu legado
O Novembro Azul representa muito mais do que uma campanha sazonal. É um movimento de conscientização que pode salvar vidas ao incentivar o diagnóstico precoce e a adoção de hábitos saudáveis.
Os avanços tecnológicos na urologia, como a cirurgia robótica e novos protocolos medicamentosos, oferecem esperança renovada para pacientes e familiares.
O SUS tem demonstrado capacidade de resposta e evolução, mesmo diante de desafios estruturais e conjunturais. A ampliação do acesso, combinada com incorporação tecnológica responsável e qualificação contínua das equipes, aponta para um futuro onde mais homens terão a chance de vencer essa batalha.
A mensagem central permanece clara: cuidar da saúde não é sinal de fraqueza, mas de inteligência e responsabilidade. O autocuidado deve ser constante, não apenas em novembro, mas durante todos os meses do ano.
Consultas regulares, exames preventivos, alimentação balanceada, prática de exercícios físicos e atenção aos sinais do corpo são atitudes simples que podem fazer toda a diferença.
Que o Novembro Azul sirva como lembrança permanente de que a prevenção é o melhor remédio e que cada vida importa. A luta contra o câncer é de todos nós, e vencê-la depende de informação, coragem e ação. Não deixe para amanhã o cuidado que pode começar hoje. Sua saúde é seu bem mais precioso.

Perguntas frequentes sobre câncer
1. A partir de que idade os homens devem começar a fazer exames preventivos para câncer de próstata?
A recomendação geral é que homens iniciem os exames preventivos aos 50 anos de idade. Entretanto, aqueles com histórico familiar de câncer de próstata ou que pertencem a grupos de maior risco devem antecipar essa avaliação para os 45 anos.
A decisão deve ser compartilhada entre médico e paciente, considerando fatores individuais como histórico familiar, etnia e outros fatores de risco.
O acompanhamento regular permite identificar alterações precocemente, quando as chances de cura são significativamente maiores.
2. O exame de toque retal ainda é obrigatório para detectar câncer de próstata?
Não necessariamente. Conforme meta-análise publicada em 2024 na revista European Urology Oncology, o exame de toque retal deixou de ser obrigatório em todos os casos.
Com o avanço dos exames laboratoriais mais sensíveis, como o PSA de alta precisão, e de imagem, tornou-se possível avaliar o risco de forma muito mais precisa.
A decisão sobre qual método diagnóstico utilizar é sempre clínica e personalizada, considerando o perfil individual de cada paciente. O médico urologista é o profissional indicado para definir a melhor estratégia de rastreamento.
3. Quais são os principais sintomas do câncer de próstata que merecem atenção?
O câncer de próstata em estágios iniciais geralmente não apresenta sintomas, o que reforça a importância dos exames preventivos.
Quando a doença está mais avançada, podem surgir sinais como dificuldade para urinar, necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite, dor ou ardência ao urinar, presença de sangue na urina ou no sêmen, dor na região lombar, quadris ou coxas, e dificuldade em manter a ereção.
Qualquer um desses sintomas persistentes deve ser avaliado por um urologista imediatamente.
4. Como prevenir o câncer de pênis e quais são os principais fatores de risco?
A prevenção do câncer de pênis está diretamente relacionada a hábitos de higiene e vacinação. Os principais fatores de risco incluem infecção pelo HPV, higiene íntima inadequada, ausência de circuncisão e baixas condições socioeconômicas.
Para prevenir, é fundamental manter higiene íntima adequada diária, usar preservativo nas relações sexuais, tomar a vacina contra o HPV (disponível gratuitamente no SUS), observar regularmente o órgão genital procurando por lesões ou alterações, e procurar um médico imediatamente ao notar feridas, úlceras ou tumorações persistentes.
A detecção precoce aumenta significativamente as chances de cura e pode evitar a amputação do órgão.
5. Por que os casos de câncer de intestino estão aumentando entre jovens e como prevenir?
O aumento dos casos de câncer colorretal entre jovens está relacionado principalmente ao estilo de vida moderno.
Fatores como obesidade, consumo excessivo de álcool, dieta rica em alimentos ultraprocessados e carnes vermelhas, sedentarismo, tabagismo e privação de sono contribuem significativamente para esse crescimento.
A prevenção envolve mudanças simples no cotidiano que podem reduzir em até 30% o risco: manter peso saudável através de alimentação equilibrada e exercícios físicos regulares, evitar ou moderar o consumo de álcool e carnes processadas, não fumar, priorizar frutas, verduras, legumes e fibras na alimentação, e realizar a colonoscopia preventiva conforme orientação médica.
Jovens com histórico familiar devem iniciar o rastreamento mais cedo e estar atentos a sintomas como sangue nas fezes, alterações intestinais persistentes e desconforto abdominal frequente.
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