Quinta-feira , Novembro 20 2025
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Crise de crédito: Presidente do Santander nega colapso

A crise de crédito volta a ser tema de debate no mercado financeiro brasileiro enquanto grandes empresas enfrentam dificuldades e bancos aumentam provisões para perdas.

O presidente do Santander Brasil, Mario Leão, um dos principais credores de companhias como Ambipar e Braskem, afirma não acreditar em uma crise sistêmica, mas reconhece deterioração marginal em alguns portfólios devido ao ambiente macroeconômico desafiador.

Em coletiva de imprensa sobre os resultados do terceiro trimestre de 2025, Mario Leão, CEO do Santander Brasil, foi enfático ao negar a existência de uma crise generalizada no mercado de crédito.

Contudo, o executivo admitiu que empresas altamente alavancadas enfrentam pressões crescentes em um cenário de juros elevados e economia desacelerando.

O contexto macroeconômico que alimenta os temores

mercado de crédito

O Brasil atravessa um período de alta da taxa Selic que não se via há duas décadas. Com os juros básicos em 15% ao ano e projeções de manutenção em patamares elevados, empresas e consumidores sentem o aperto financeiro.

O que muitos economistas questionam é se esse cenário configura uma verdadeira crise de crédito ou apenas um momento de ajuste natural do ciclo econômico.

A taxa de juros real brasileira alcançou 6,42%, significativamente superior à taxa neutra estimada pelo Banco Central.

Esse patamar demonstra uma política monetária claramente contracionista, que restringe o acesso ao financiamento e encarece o custo do dinheiro para todos os agentes econômicos.

Desde 2021, quando a Selic estava em apenas 2%, o Brasil passou por um dos ciclos de aperto monetário mais agressivos de sua história recente. A taxa saltou para 13,75% em 2022 e, após breve período de alívio, voltou a escalar em 2025, pressionada pela inflação persistente e pelas tensões fiscais.

O fantasma da recuperação judicial paira sobre empresas de grande porte que devem valores significativos ao sistema bancário brasileiro.

A Ambipar, empresa do setor de gestão ambiental, já entrou com pedido de recuperação judicial no Brasil e nos Estados Unidos, evidenciando a dimensão internacional das dificuldades financeiras enfrentadas por companhias brasileiras.

A situação da Braskem, petroquímica controlada pela Petrobras e pela Novonor (antiga Odebrecht), também preocupa o mercado.

Analistas apontam que a empresa caminha em direção semelhante, com valor de mercado no menor patamar em seis anos e dificuldades crescentes para honrar compromissos financeiros.

Outro caso que ganhou destaque foi o da Eletronuclear, que segundo apurações jornalísticas pode ficar inadimplente com bancos e outras instituições financeiras caso não receba uma ajuda bilionária da União.

Esses episódios levantam questionamentos sobre a saúde financeira de empresas estratégicas e o potencial de contágio no sistema de crédito.

Mario Leão, do Santander, evitou comentar casos específicos, mantendo a postura tradicional das instituições financeiras de não expor publicamente suas relações com clientes.

“A gente não comenta casos específicos”, repetiu o executivo, frase que se tornou comum desde o escândalo das Americanas em 2023.

Bancos ajustam estratégias diante de cenário desafiador

As provisões para devedores duvidosos (PDD) são um indicador crucial da saúde do sistema de crédito.

No Santander, essas provisões até diminuíram no terceiro trimestre de 2025 em relação ao ano anterior, totalizando 6,52 bilhões de reais. Gustavo Alejo, CFO do banco, explicou que houve antecipação de provisões que eram esperadas para o ano seguinte.

“O que a gente tem que fazer com disciplina e rigor é ir adotando as nossas provisões em nomes específicos de acordo com a necessidade”, complementou Leão.

Essa abordagem cirúrgica sugere que, embora o banco não identifique uma crise de crédito sistêmica, está atento a riscos individuais em seu portfólio.

A estratégia do Santander tem sido de seletividade crescente.

O banco vem reduzindo sua exposição ao crédito para baixa renda enquanto aumenta a concessão de financiamentos para alta renda e pequenas e médias empresas. “Direcionalmente, estamos caindo nosso volume de crédito na baixa renda. Isso é calculado, é programado”, afirmou o CEO.

Números alarmantes de inadimplência empresarial

Enquanto grandes bancos negam uma crise de crédito generalizada, os números contam uma história mais sombria.

Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com dados da Serasa Experian, o Brasil atingiu 7,2 milhões de empresas inadimplentes no início de 2025, equivalente a 31,6% dos negócios ativos no país.

Entre essas empresas inadimplentes, 6,8 milhões são Micro e Pequenas Empresas (MPEs), responsáveis por 47,2 milhões de débitos em aberto que somam mais de 141,6 bilhões de reais.

O setor de Serviços lidera essa estatística preocupante, com 52,8% dos negócios inadimplentes, seguido pelo Comércio com 35%.

O número de pedidos de recuperação judicial cresceu impressionantes 61,8% em 2024, alcançando 2.273 solicitações – o maior volume desde o início da série histórica em 2006.

Esse dado sugere que, independentemente da nomenclatura utilizada, empresas brasileiras enfrentam severas dificuldades financeiras.

Acesso ao crédito como gargalo estrutural

recuperação judicial

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta o acesso ao crédito como uma barreira significativa para o desenvolvimento econômico brasileiro.

O elevado custo do financiamento impede o avanço de projetos cruciais, afetando especialmente o setor industrial, onde cadeias produtivas mais longas sofrem com o acúmulo de custos financeiros ao longo das etapas de produção.

O resultado dessa dinâmica é um encarecimento do produto final que compromete a competitividade brasileira no mercado internacional.

Em junho de 2024, empresas brasileiras se financiavam, em média, a uma taxa de 20,94% ao ano. Para pequenas empresas, as condições são ainda mais duras, com taxas quase duas vezes superiores à média.

Além da alta Selic, o Brasil enfrenta um dos spreads bancários mais elevados do mundo, atingindo 27,4% segundo o Banco Mundial. Para comparação, no Peru o spread é de apenas 7,8%.

A concentração bancária contribui para essa distorção – em 2021, cinco bancos dominavam quase 80% dos ativos do sistema bancário brasileiro, limitando a competitividade.

Superendividamento e a Dimensão Social da Questão

superendividamento

A discussão sobre crise de crédito não se limita ao universo corporativo. O superendividamento das famílias brasileiras atingiu patamares alarmantes em 2025.

Dados revelam que 77% da população brasileira está endividada, com grande parte dessas dívidas concentradas em cheque especial e cartão de crédito, modalidades com as taxas de juros mais altas do mercado.

Entre 2021 e 2024, o volume de processos judiciais relacionados ao superendividamento cresceu espantosos 8.530%, revelando tanto a maior conscientização dos consumidores quanto os reflexos diretos das dificuldades de acesso e gestão do crédito.

Bancos e instituições financeiras são réus em 85% desses processos, com bancos múltiplos concentrando quase 60% das ações.

A Lei 14.181/2021, que estabeleceu marcos regulatórios para o tratamento do superendividamento, ainda não demonstrou efetividade plena na contenção do problema. Os dados de 2025 colocam em xeque a capacidade da legislação de efetivamente proteger consumidores e equilibrar o sistema de crédito.

Perspectivas econômicas e o debate sobre recessão

perspectivas econômicas

O ano de 2025 apresenta-se como um dos mais desafiadores para a economia brasileira desde 2020. Após quatro anos consecutivos de crescimento em torno de 3% ou mais, as projeções apontam para uma desaceleração significativa.

O consenso do mercado projeta expansão próxima de 2% em 2025, após alta de 3,5% em 2024.

Pelo menos seis instituições financeiras – Bradesco, Banco BV, Ativa Investimentos, Monte Bravo, Nova Futura e Tendências – já apontam para um cenário de recessão técnica no segundo semestre de 2025.

Tecnicamente, essa recessão ocorre quando há dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB).

Carlos Lopes, economista do BV, avalia que a recessão técnica é provável na segunda metade do ano, embora o primeiro trimestre ainda seja sustentado pela safra recorde do agronegócio e pela força do mercado de trabalho. “O investimento de hoje é o emprego de amanhã.

Se você começa a contrair a economia, o desemprego vai começar a não cair mais”, afirma.

O Impacto dos Juros Altos em Setores Estratégicos

santander

A indústria da construção civil ilustra bem como setores estratégicos sofrem com a política monetária restritiva. Segundo pesquisa da CNI em parceria com a CBIC, o índice de satisfação com o lucro operacional caiu de 44,8 para 42,8 pontos no primeiro trimestre de 2025.

O índice de facilidade de acesso ao crédito recuou para 37,4 pontos, enquanto os preços dos insumos subiram para 64,6 pontos.

“A indústria da construção é diretamente impactada pela alta da Selic. Como fica mais difícil acessar financiamento para a compra de imóveis, a demanda diminui”, explicam os responsáveis pela pesquisa.

Esse efeito cascata atinge toda a cadeia produtiva, gerando demissões e redução de investimentos.

Pesquisa da Grant Thornton Brasil mostra que 38% dos executivos financeiros estão pessimistas com a economia na primeira metade de 2025.

Mais da metade dos entrevistados possui expectativa de retração de receitas e lucros para os próximos 12 meses, com crescimento de despesas. A avaliação é que haverá redução no acesso ao crédito e restrições a alternativas de captação como IPOs.

A visão do Santander sobre o futuro

inadimplência empresarial

Apesar dos desafios evidentes, o Santander mantém uma postura otimista quanto ao médio prazo. A expectativa do banco é que o CDI médio fique mais baixo em 2026, já que a instituição prevê juros em 13% ao final do próximo ano. “A gente espera que nesse sentido o macro comece a melhorar”, afirma Mario Leão.

O CEO vê sinais de desaceleração da economia brasileira, movimento desejado pela gestão do Banco Central para conter a inflação. “Não a ponto, talvez, de consolidar no BC o consenso de que o ciclo de corte de juros deve começar. Mas a gente acredita que não estamos longe disso.

No primeiro trimestre, não antes disso, o Banco Central deve começar a reduzir juros”, projeta.

A rentabilidade do Santander medida pelo retorno sobre patrimônio líquido (ROE) chegou a 17,5% no terceiro trimestre de 2025. O banco reiterou sua meta de chegar ao patamar de 20% no curto e médio prazo, com operação diversificada e exigente.

A Nord Investimentos, gestora de investimentos, emitiu alerta sobre o mercado de crédito privado brasileiro. Segundo a casa, spreads comprimidos e maior exposição de investidores a papéis corporativos aumentam a vulnerabilidade do sistema diante da ausência de ajuste fiscal consistente.

Desde 2023, principalmente após o caso das Americanas, a demanda por produtos de renda fixa aumentou entre pessoas físicas.

As LCIs e LCAs perderam atratividade após novas regras do Conselho Monetário Nacional em 2024, estimulando migração para CRIs, CRAs e debêntures incentivadas – instrumentos com risco corporativo e sem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

“Para comprar um título de empresa Triple A, recebo menos do que em papéis do Tesouro Nacional”, destacou um executivo da Nord.

Essa distorção indica que investidores estão assumindo mais riscos por retornos proporcionalmente menores, situação que pode se tornar insustentável caso ocorra uma onda de inadimplências corporativas.

Desafios Fiscais

banco central

A questão fiscal permanece no centro do debate sobre a sustentabilidade do mercado de crédito brasileiro. Mario Leão, do Santander, enfatizou que o banco não tem viés partidário para as eleições de 2026, mas torce para que o vencedor tenha “a melhor pauta possível.

Gestão fiscal, equilíbrio de gastos. O foco tem que ser parar o crescimento da dívida em relação ao PIB”.

Economistas alertam que a crise de confiança no ajuste fiscal tem peso determinante nas expectativas inflacionárias e, consequentemente, nas decisões de política monetária. “Olhamos para as projeções de inflação e não vemos uma convergência para a meta nem para horizontes mais longos”, afirma Carlos Lopes, do BV.

A política fiscal expansiva combinada com juros altos cria um ambiente paradoxal: o governo aumenta gastos enquanto o Banco Central tenta conter a demanda agregada via juros elevados.

Essa falta de coordenação entre as políticas fiscal e monetária pode prolongar o período de juros altos e agravar as dificuldades no mercado de crédito.

O Papel das Empresas Mais Alavancadas

alta da taxa Selic

Mario Leão reconhece que empresas altamente alavancadas enfrentam desafios significativos no atual cenário. “Para que as empresas mais alavancadas consigam se desalavancar, é preciso que o CDI caia continuamente a partir do início do ano que vem”, afirmou o CEO do Santander.

A delicada situação dessas companhias reflete anos de acumulação de dívidas em um período de juros historicamente baixos, seguido por uma mudança abrupta no custo do dinheiro.

Empresas que planejaram suas estruturas de capital assumindo taxas de juros de um dígito agora enfrentam custos financeiros que podem superar suas margens operacionais.

O processo de desalavancagem, quando necessário, geralmente envolve venda de ativos, redução de investimentos e, em casos extremos, recuperação judicial.

Cada uma dessas alternativas tem impactos negativos sobre emprego, produtividade e desenvolvimento econômico, criando um ciclo vicioso difícil de romper.

Lições de Crises Anteriores

calcule suas dívidas

A memória do caso Americanas em 2023 permanece viva no mercado financeiro. A fraude contábil revelada na varejista foi descrita por analistas como “a maior fraude da história corporativa do Brasil” e deixou bancos, fornecedores e investidores com perdas bilionárias.

Aquele episódio serviu como alerta para a necessidade de maior diligência na concessão de crédito e acompanhamento de devedores.

Desde então, instituições financeiras aprimoraram processos de análise de risco e governança corporativa, mas a sucessão de casos problemáticos em 2025 sugere que os desafios persistem.

A definição técnica de crise de crédito envolve escassez generalizada de crédito disponível, com instituições financeiras reduzindo drasticamente a oferta de financiamento.

Embora o Santander e outros grandes bancos neguem que o Brasil esteja vivendo tal cenário, os indicadores de inadimplência, recuperação judicial e restrição ao crédito para pequenas empresas sugerem ao menos uma crise localizada em segmentos específicos.

Recomendações e Caminhos para o Futuro

fundos imobiliários

A FecomercioSP defende que políticas públicas mais eficazes para reestruturação de dívidas e concessão de crédito com melhores condições sejam priorizadas, principalmente para pequenos negócios. “Entender a realidade financeira da empresa é fundamental para não operar no vermelho.

A crise atual reforça a necessidade de transformar gestão eficiente em fator de sobrevivência e crescimento”, recomenda Thiago Freitas, assessor da Federação.

Para o sistema financeiro, o desafio é equilibrar a prudência necessária na concessão de crédito com a manutenção de financiamento adequado para atividades produtivas. Spreads bancários excessivos prejudicam a competitividade da economia e limitam o crescimento sustentável.

No âmbito da política monetária, a sincronia entre ações do Banco Central e do governo federal será determinante. Mario Leão, do Santander, projeta que o BC começará a reduzir juros no primeiro trimestre de 2026, desde que os dados de atividade econômica e inflação confirmem a necessidade e a possibilidade desse movimento.

O debate sobre a existência ou não de uma crise de crédito no Brasil em 2025 revela diferentes perspectivas conforme o ponto de observação.

Grandes bancos, com carteiras diversificadas e capacidade de provisionar perdas, podem legitimamente afirmar que não enfrentam uma crise sistêmica. Para pequenas e médias empresas, contudo, a realidade é bem diferente.

Com 7,2 milhões de empresas inadimplentes, crescimento de 61,8% nos pedidos de recuperação judicial e taxas de juros reais superiores a 6%, fica claro que o mercado de crédito brasileiro atravessa um período de severas dificuldades.

Chamar isso de crise de crédito ou de ajuste cíclico pode ser questão semântica – o fato é que empresas e consumidores sentem o impacto na pele.

As projeções para 2026 trazem algum alívio, com expectativa de redução gradual dos juros e melhora nas condições macroeconômicas.

Contudo, sem um ajuste fiscal consistente e reformas estruturais que reduzam o spread bancário e melhorem o ambiente de negócios, o Brasil corre o risco de repetir ciclos de aperto e afrouxamento sem resolver os problemas de fundo que travam o acesso ao crédito e limitam o potencial de crescimento econômico.

A vigilância contínua sobre indicadores de crédito, inadimplência e saúde financeira corporativa será essencial nos próximos trimestres. Como afirmou Mario Leão, “pode acontecer, como todo ano acontece, algum nível de volatilidade.

A gente tem que estar preparado para isso e, mais do que nunca, estar perto dos clientes”. Essa proximidade e atenção aos sinais de deterioração podem fazer a diferença entre uma situação controlável e uma verdadeira crise de crédito sistêmica.

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