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avc no Brasil

AVC: 80% dos casos poderiam ser evitados

O AVC (Acidente Vascular Cerebral) continua sendo uma das principais causas de morte no Brasil, vitimando milhares de pessoas todos os anos e deixando sequelas graves em quem sobrevive.

Os números alarmantes revelam uma realidade preocupante: a cada seis minutos, um brasileiro perde a vida em decorrência dessa condição que, na maioria das vezes, poderia ter sido evitada com medidas preventivas simples e mudanças no estilo de vida.

De acordo com dados recentes do Portal da Transparência do Centro de Registro Civil do Brasil, o país registrou mais de 84 mil mortes por AVC em 2024, consolidando a doença como uma das líderes em mortalidade no território nacional.

Entre janeiro e outubro de 2025, já foram contabilizados 64.471 óbitos, evidenciando que o problema está longe de ser controlado.

A dimensão do problema no Brasil

cardiologista

O cenário brasileiro em relação ao AVC é particularmente desafiador. Especialistas da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC) alertam que oito em cada dez casos poderiam ser evitados com o controle adequado de fatores de risco e adoção de hábitos saudáveis.

Essa estatística revela uma triste realidade: a maioria das mortes e sequelas decorrentes do AVC são, em grande parte, preveníveis.

Segundo informações da SBAVC, a mortalidade por AVC no Brasil ultrapassou o infarto nos últimos anos. Em 2023, foram registrados 84.931 óbitos por AVC, enquanto o infarto teve 77.886 mortes.

No ano de 2024, o número total de óbitos chegou a 85.427 casos, mantendo a tendência preocupante dos anos anteriores.

O neurologista e especialista em AVC, Dr. Feres Chaddad, da Unifesp e da Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que existem dois tipos principais de AVC.

“Durante o AVC isquêmico há um bloqueio na artéria, levando à falta de sangue e morte das células cerebrais. Já no hemorrágico, o sangue extravasa por ruptura de um vaso”, detalha o especialista.

O AVC isquêmico representa a grande maioria dos casos, correspondendo a cerca de 80% a 85% das ocorrências.

Nesse tipo, um coágulo ou trombo obstrui uma artéria cerebral, interrompendo o fluxo sanguíneo para determinada região do cérebro. Sem oxigênio e nutrientes, as células cerebrais começam a morrer rapidamente, causando danos que podem ser irreversíveis se não tratados com urgência.

O AVC entre os jovens

avc em jovens

Um dos aspectos mais alarmantes dos dados recentes sobre AVC é o crescimento significativo de casos entre pessoas jovens. Antes associado predominantemente à terceira idade, o AVC vem atingindo cada vez mais adultos com menos de 45 anos.

Segundo a Sociedade Brasileira de AVC, a incidência do tipo isquêmico aumentou 66% entre pessoas dessa faixa etária nos últimos dez anos.

O neurocirurgião Orlando Maia, do Hospital Quali Ipanema, aponta para mudanças no estilo de vida como principais responsáveis por esse aumento. “O estilo de vida mudou: há mais obesidade, sedentarismo, cigarro eletrônico, uso de anticoncepcionais e dietas desbalanceadas.

Esse conjunto eleva a pressão e inflama os vasos, antecipando o aparecimento da doença”, alerta o especialista.

Dr. Feres Chaddad identifica três elementos que explicam o aumento de casos de AVC nessa faixa etária. Primeiro, doenças cardíacas como a persistência do forame oval, que facilita a passagem de coágulos. Segundo, a associação perigosa entre tabagismo e uso de anticoncepcionais.

E terceiro, o conjunto de fatores relacionados ao estilo de vida contemporâneo, marcado por estresse crônico, alimentação inadequada, sedentarismo e uso de substâncias nocivas.

Fatores de risco e prevenção

obesidade

O controle dos fatores de risco é fundamental para prevenir o AVC. A hipertensão arterial é considerada o principal fator de risco modificável, presente em grande parte dos casos.

A pressão arterial elevada danifica as paredes dos vasos sanguíneos ao longo do tempo, aumentando significativamente o risco de obstrução ou rompimento.

Outros fatores de risco importantes incluem diabetes, colesterol elevado, obesidade, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool, estresse crônico e arritmias cardíacas.

A boa notícia é que todos esses fatores podem ser controlados ou modificados através de mudanças no estilo de vida e, quando necessário, uso de medicamentos.

O Dr. Flávio Sallem, neurologista do Hospital Japonês Santa Cruz, enfatiza que até 90% dos casos de AVC poderiam ser evitados com hábitos de vida saudáveis.

“Controlar a pressão arterial, praticar atividades físicas, manter uma alimentação equilibrada e não fumar são medidas essenciais. Informação salva vidas e a prevenção é o caminho mais eficaz para reduzir os impactos do AVC na sociedade”, destaca o especialista.

A prática regular de atividades físicas, mesmo que moderadas, reduz significativamente o risco de AVC. Caminhadas diárias de 30 minutos, exercícios aeróbicos e atividades que promovam o bem-estar cardiovascular são altamente recomendadas.

Uma alimentação rica em frutas, verduras, legumes, cereais integrais e pobre em gorduras saturadas, sódio e açúcares também desempenha papel fundamental na prevenção.

Reconhecendo os Sinais: O Método SAMU

riscos do avc

O tempo é crucial quando se trata de AVC. Quanto mais rápido o paciente receber atendimento médico especializado, maiores são as chances de recuperação sem sequelas graves ou permanentes.

Por isso, é essencial que a população saiba reconhecer os sinais de alerta.

Para facilitar a identificação, especialistas recomendam o método SAMU, um acrônimo que ajuda a memorizar os principais sintomas:

S – Sorriso: Peça para a pessoa sorrir. Se um lado do rosto ficar paralisado ou caído, pode ser sinal de AVC.

A – Abraço: Peça para a pessoa levantar os dois braços. Se um dos braços não se elevar ou cair involuntariamente, é um alerta.

M – Música: Peça para a pessoa repetir uma frase simples. Dificuldade para falar, fala arrastada ou incompreensível são sinais preocupantes.

U – Urgência: Se qualquer um desses sinais estiver presente, é urgente. Ligue imediatamente para o serviço de emergência (192 ou 193).

Além desses sintomas clássicos, outros sinais podem indicar AVC: dor de cabeça súbita e intensa sem causa aparente, perda súbita de visão em um ou ambos os olhos, tontura, perda de equilíbrio ou coordenação, dificuldade para caminhar e confusão mental.

A importância do tratamento rápido

A presidente da Rede Brasil AVC e da Organização Mundial de AVC, neurologista Sheila Cristina Ouriques Martins, reforça que cada minuto conta no tratamento do AVC.

“A campanha Salve o Tempo Precioso lembra sempre que o AVC tem prevenção e que cada minuto conta. Salvando minutos, a gente salva vidas”, afirma.

Atualmente, existem tratamentos eficazes para o AVC isquêmico quando administrados rapidamente. O principal é a trombólise, medicação aplicada na veia que tenta dissolver o coágulo que está obstruindo a artéria.

Esse tratamento tem uma janela de tempo limitada, geralmente até 4,5 horas após o início dos sintomas.

Para casos mais graves, existe também a trombectomia mecânica, um procedimento minimamente invasivo realizado por neurocirurgiões ou neurologistas intervencionistas.

Nesse procedimento, um cateter é inserido através de uma artéria, geralmente na virilha, e guiado até o cérebro para retirar mecanicamente o coágulo que está causando a obstrução.

O neurocirurgião Victor Hugo Espíndola explica que as sequelas do AVC dependem muito da região do cérebro afetada. “O nosso cérebro é topografado, então a gente tem a área da fala, área motora do braço direito, área motora do braço esquerdo, área da memória.

Dependendo da região que for afetada, o paciente pode desenvolver um quadro diferente”, destaca.

Desigualdades regionais e sociais

saúde pública

Pesquisas realizadas no Brasil têm evidenciado que o AVC afeta de forma desproporcional diferentes grupos populacionais.

Estudos conduzidos pela professora Eva Rocha, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), demonstraram maior incidência de mortes por AVC entre pessoas de grupos economicamente vulneráveis, concentradas principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país.

Essas desigualdades refletem diferenças no acesso a serviços de saúde, informação sobre prevenção, diagnóstico precoce e tratamento adequado.

Em muitas regiões do Brasil, especialmente em áreas remotas e comunidades carentes, o acesso a hospitais equipados com estrutura para atendimento de emergência neurológica ainda é limitado.

A situação agrava-se pelo fato de que muitas pessoas não procuram atendimento médico regular para controle de fatores de risco como hipertensão, diabetes e colesterol elevado.

O neurocirurgião José Cláudio Rodrigues Filho observa que “tem gente que não vai ao médico com frequência e acaba ignorando sintomas como a pressão alta, colesterol elevado e diabetes, e possuem hábitos ruins, como comer mal, ficar parado no sofá e fumar”.

O impacto da Pandemia

tratamento rápido

A pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo nos números de AVC no Brasil.

Segundo a neurologista Sheila Martins, a partir do final de 2020, o número de casos aumentou consideravelmente. “Os pacientes começaram a chegar em estado mais grave, mais jovens e em maior número. O AVC passou a ser, de novo, a primeira causa de morte no país”, relata.

Esse aumento está relacionado a diversos fatores. Durante a pandemia, muitas pessoas deixaram de procurar atendimento médico regular, interromperam tratamentos preventivos e abandonaram o uso de medicamentos essenciais para controle de condições crônicas.

O medo de contaminação nos hospitais levou muitos pacientes a adiar consultas e exames de rotina.

Além disso, o próprio vírus da COVID-19 foi associado a um aumento no risco de eventos tromboembólicos, incluindo AVC. Estudos demonstraram que pacientes infectados pelo coronavírus apresentavam maior propensão a formação de coágulos, elevando o risco de AVC isquêmico.

Avanços na pesquisa e tratamento

saúde do coração

Apesar dos números alarmantes, há motivos para otimismo. Pesquisas desenvolvidas em universidades brasileiras estão trazendo avanços importantes no diagnóstico, tratamento e reabilitação de pacientes com AVC.

Na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o biomédico e neurocientista Walace Gomes desenvolve o que pode ser o primeiro neuroprotetor do mundo específico para tratamento de AVC.

Esse medicamento visa proteger os neurônios da lesão secundária que se desenvolve após o evento inicial, potencialmente reduzindo sequelas e melhorando a recuperação dos pacientes.

Pesquisas da professora Eva Rocha, da Unifesp, buscam determinar a pressão arterial ideal para pacientes que já tiveram AVC, informação crucial para prevenir novos eventos.

Outros estudos conduzidos pela mesma pesquisadora desenvolveram critérios diagnósticos para identificar a síndrome de vasoconstrição cerebral reversível, uma causa de AVC mais comum em pessoas jovens.

Reabilitação e qualidade de vida

caminhada e exercícios

Para aqueles que sobrevivem ao AVC, a reabilitação é fundamental. O cérebro possui uma capacidade notável de adaptação, conhecida como neuroplasticidade, especialmente nos primeiros meses após o evento.

Programas de reabilitação multidisciplinar, envolvendo fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico, podem ajudar pacientes a recuperar funções perdidas ou desenvolver estratégias compensatórias.

O neurologista Doria enfatiza que “o cérebro tem uma capacidade de adaptação impressionante, especialmente nos primeiros meses após o evento”. Quanto mais precoce e intensiva for a reabilitação, melhores tendem a ser os resultados funcionais.

No entanto, as sequelas do AVC podem ser permanentes e impactantes. Dados de um estudo australiano que acompanhou mais de 313 mil vítimas por dez anos mostraram taxa de recorrência de 26% e sobrevivência de apenas 36% após uma década do primeiro evento.

A ocorrência de um AVC isquêmico reduz a expectativa de vida em 5,5 anos, evidenciando o impacto devastador dessa condição.

Perspectivas Globais

Globalmente, o AVC é a segunda causa de morte, respondendo por cerca de 11% do total de óbitos em todo o mundo. Entre 1990 e 2021, foram registradas 7,3 milhões de mortes por AVC globalmente. Projeções indicam que essa condição poderá causar quase 10 milhões de mortes anualmente até 2050.

Embora os números absolutos sejam crescentes devido ao envelhecimento populacional, houve redução nas taxas de incidência e mortalidade ajustadas por idade nas últimas décadas.

A taxa de incidência global caiu 21,8% nas últimas três décadas, e a mortalidade, 39,4%. No Brasil, as quedas foram ainda mais expressivas: 47,7% e 62,2%, respectivamente.

Esses avanços refletem melhorias no controle de fatores de risco, maior conscientização, avanços no tratamento agudo e melhor organização dos sistemas de saúde.

No entanto, especialistas alertam que esses progressos parecem ter estagnado em alguns países. No Brasil, entre 2015 e 2021, a redução média anual foi de apenas 0,75%, comparada a 2,09% no período de 1990 a 2021.

A importância da conscientização

O Dia Mundial do AVC, celebrado em 29 de outubro, tem como objetivo ampliar a conscientização sobre a doença.

Campanhas realizadas pela Rede Brasil AVC, em parceria com a Organização Mundial de AVC, buscam educar a população sobre fatores de risco, sinais de alerta e a importância do tratamento rápido.

A informação é uma ferramenta poderosa na luta contra o AVC. Quanto mais pessoas souberem reconhecer os sintomas e compreenderem a urgência do tratamento, mais vidas poderão ser salvas.

Da mesma forma, o conhecimento sobre prevenção pode evitar que milhares de pessoas sejam vítimas dessa condição devastadora.

Depoimentos de sobreviventes, como o de Fabrícia, uma paciente que teve AVC, reforçam a importância do cuidado preventivo. “Quando você tem um AVC, você tem que investigar, cuidar da alimentação, cuidar da saúde. Olhar para si”, aconselha. Sua experiência destaca como o estresse crônico e a hipertensão não controlada podem levar a consequências graves.

Chamado à Ação

Os números alarmantes de mortes e sequelas por AVC no Brasil representam um chamado urgente à ação em múltiplas frentes. As políticas públicas de saúde precisam priorizar a prevenção através de programas de controle de hipertensão, diabetes e outros fatores de risco, especialmente em populações vulneráveis.

A estruturação de redes de atendimento de urgência neurológica em todo o território nacional é essencial para garantir que pacientes em qualquer região do país tenham acesso rápido a tratamento adequado. Hospitais precisam estar equipados com protocolos, equipes treinadas e tecnologia necessária para atender casos agudos de AVC.

A educação da população é igualmente fundamental. Campanhas de conscientização devem ser ampliadas e mantidas de forma contínua, não apenas em datas específicas. Escolas, empresas, unidades básicas de saúde e meios de comunicação têm papel importante na disseminação de informações sobre prevenção e reconhecimento de sinais de alerta.

Para indivíduos, a mensagem é clara: cuide da sua saúde cardiovascular. Realize check-ups médicos regulares, controle sua pressão arterial, mantenha peso saudável, pratique atividades físicas, alimente-se adequadamente, evite tabagismo e consumo excessivo de álcool. Essas medidas simples podem significar a diferença entre uma vida saudável e as consequências devastadoras de um AVC.

Desafios do AVC

O AVC continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil, tirando a vida de um brasileiro a cada seis minutos. A estatística de que 80% dos casos poderiam ser evitados não é apenas um número — é um lembrete poderoso de que temos em nossas mãos ferramentas para mudar essa realidade.

Cada vida perdida para o AVC representa não apenas uma tragédia individual e familiar, mas também um chamado coletivo para que possamos fazer melhor. A prevenção é possível, o tratamento existe e a recuperação, embora desafiadora, é viável para muitos pacientes.

O combate ao AVC exige esforço conjunto de toda a sociedade: governos investindo em saúde pública, profissionais capacitados e dedicados, instituições de pesquisa desenvolvendo novas soluções, e cada cidadão assumindo responsabilidade pela própria saúde.

Somente através dessa mobilização coletiva poderemos reverter os números alarmantes e garantir que menos brasileiros sejam vítimas dessa condição devastadora.

A mensagem final é de esperança temperada com urgência: o AVC pode ser prevenido, tratado e suas consequências minimizadas — mas isso requer ação imediata, consciente e sustentada. Cada minuto conta, cada escolha importa, e cada vida merece ser protegida.

Publicado por Rádio 5 – Jornalismo com Responsabilidade Social

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